quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Crônica


Depois de todas as experiências frustradas, ele decidiu abdicar. Para ele, nenhuma mulher merecia suas horas de composição ao piano, seus acordes minuciosamente escritos, suas rimas e muito menos seus pensamentos ao travesseiro. Não se envolveria com mais nenhuma delas. Pelo menos não afetivamente. Nem a decotada, nem a popular, nem a do rebolado, nem a santinha.

Mulher alguma serviria pra ele, porque até aquele momento, todas eram iguais.
Iguais no sentimento de posse, de exclusividade, de exigência e principalmente no desprezo. Umas mais delicadas, outras mais diretas, mas todas direcionadas num único norte: não te quero mais.
Decidira que mataria todas as borboletas que porventura surgissem no estômago, pregaria com alfinete num isopor e faria uma exposição intitulada “elas não mereciam viver”.
Seguiu convicto da sua indiferença para com as mulheres. Usou e abusou da carência feminina e dos hormônios aos 25 anos. Até que alguma coisa mudou.

Ela não passava de uma mulher comum. Não tinha nada de grande. Nem curvas, nem conta bancária, nem influência, nem popularidade. A única coisa que possuía eram sonhos. Gigantescos. Olhos amendoados, cabelo presos de forma desarrumada, um vestido de seda que balançava acompanhando o gingado do corpo. Estava ali, na dela.
Quando ele se deu conta, seus olhos estavam fixos nela.
Decidiu se aproximar, com uma naturalidade única. Sentou como um amigo de infância e começaram a conversar, não se importando com o barulho ao redor. Ele logo foi se apresentando e lançando suas manjadas cantadas na moça. Conforme ele falava, ela se envergonhava e não conseguia conter seu nervosismo. Mordiscava o canto dos lábios e se perguntava da onde surgira aquele rapaz impetuoso.

Tudo o que ele falava, ela o contradizia. Sabia logo de cara que ele era aventureiro e então assumiu a posição que o homem mais odeia: a indiferença. Aí ele se sentiu afrontado. Tão afrontado a ponto de querer descobrir o que ela teria de tão diferente das outras. A moça era determinada, sabia exatamente o que queria numa relação.
Doar-se.
Não apenas ser feliz, mas fazer alguém feliz ao lado dela.

Depois de algumas semanas tentando descobrir, a proximidade dos dois era fato. Ela apresentou a ele seus sonhos e o convidou a entrar neles. Então, ele parou, olhou pra dentro do seu estômago e viu inúmeros casulos lá dentro. Decidiu não abortá-los dessa vez. Sentou ao piano e passou a noite toda compondo, esquecendo-se do dia em que resolveu abdicar de um dos seus maiores sonhos:

fazer parte do sonho de alguém.